terça-feira, 10 de março de 2009

A poluição da beleza e da cura


Frederico Brandini

Tenho falado muito sobre a zona costeira (ZC) em minhas colunas no site

O Eco e quanto aos impactos humanos
associados a sua ocupação desordenada.


E ainda sobre a degradação de seus habitats e a perda irreparável e crônica de
sua biodiversidade tropical.


Um ambiente dinâmico, com alterações topográficas constantes devido a circulação da maré e
às ações do vento, das ondas e do Homem.


Sobre o transporte de sedimentos que provoca mudanças naturais na linha de
costa.


A ZC é uma fronteira geográfica formada por vários biomas, cujos recursos físicos, energéticos, biológicos e
paisagísticos sustentam centenas de atividades industriais e comerciais.


E que, mal e porcamente, mantém milhares de
famílias que exploram seus recursos pesqueiros cada vez menos abundantes e, pior ainda, cada vez mais…contaminados!



Existem vários tipos de contaminação ambiental: química; sonora; estética e luminosa. A poluição química na ZC tem sido
divulgada e discutida em diversas instâncias da sociedade, principalmente porque afeta a maioria da população brasileira
que ocupa as bacias litorâneas. Infelizmente, é a regra da pimenta no “fiofó” dos outros. A contaminação no meio do oceano,
lá na Latitude dos Cavalos, ou em Mar del Plata, fica longe da minha porta. Eu não tenho nada a ver com isso. Pensar
assim não ajuda a resolver a contaminação marinha em escala global e de longo prazo. Vai nos afetar cedo ou tarde.



Acidentes com vazamentos de óleo e a contaminação crônica com pesticidas, nutrientes, detergentes e metais pesados
oriundos de atividades industriais, agrícolas e urbanas ao longo de bacias de drenagem costeira parecem ser os mais
comuns. Parecem, mas não são! O elenco de compostos químicos orgânicos usados na indústria farmacêutica e
cosmética é tão prejudicial para nós quanto para a biodiversidade marinha.

Existe um coquetel de moléculas orgânicas com fórmulas complicadas, criadas e reproduzidas em laboratório, com nomes
estranhos e complexos, que são tão ou mais diversos do que os compostos naturais que a bioquímica da natureza
conseguiu evoluir. Esses POPs (Poluentes Orgânicos Persistentes) formam um exército com mais de 10 mil substâncias
patenteadas e usadas só na indústria cosmética. Na indústria médica e farmacêutica, o número deve ser muito
maior. A maioria delas nunca foi testada pela vigilância sanitária de qualquer país e os poucos testes são resultado de
políticas voluntárias das próprias empresas cujos resultados em seus laboratórios privados nunca foram contestados por
órgãos reguladores do governo. Os POPs que não se degradam facilmente e acumulam-se na teia alimentar do ambiente
contaminado.



O problema todo começa nas privadas e nos ralos das casas. Acontece, sobretudo, nos ambientes urbanos, com muita
gente excretando moléculas orgânicas sintéticas. Tudo vai pro esgoto. Uma ligação oculta, subterrânea, mas muito
eficiente entre as cidades e os lençóis freáticos adjacentes. Dependendo da declividade, após alguns anos as moléculas
chegam no mar através da bacia de drenagem, que nada mais é do que a dimensão geográfica de um processo
natural de escoamento da água dos continentes para suas margens costeiras, devido à ação constante da gravidade
terrestre.


O sistema de abastecimento é um desvio artificial do ciclo hidrológico, feito para atender a demanda do uso doméstico,
público e industrial. O passo seguinte é o sistema de esgotos, originalmente criado como uma tentativa de diluir o que
não deve e que não pode ficar concentrado, por uma questão de saúde e mau cheiro.

Entretanto, nosso potencial de contaminação marinha vai mais longe do que isso. Elevados teores de cafeína foram
detectados na água do mar em fiordes da Noruega, com certeza como resultado do consumo de café e chás por
populações costeiras do norte da Europa. Do mesmo modo, a contaminação crônica com remédios e cosméticos do nosso
quotidiano é cada vez mais preocupante uma vez que urinamos anualmente toneladas desses excessos de moléculas
orgânicas não-metabolizadas.
:::Espaço Ecológico no Ar:::

Medicamentos

Os remédios mais consumidos nos grandes centros urbanos são antibióticos, antiinflamatórios, anticoncepcionais e
antidepressivos. Essas são as principais fontes de princípios ativos não metabolizados e que são expelidos pela urina e
fezes. Espalham-se pelo sistema de esgoto, podendo retornar para o consumo humano. A contaminação de lagos e de
rios com princípios ativos da indústria farmacêutica tem sido avaliada nas últimas décadas. Mas mesmo as
tecnologias mais modernas de tratamento de efluentes municipais não são capazes de livrar a água da contaminação
com coquetéis de POPs industriais. Os resultados são alarmantes.

Um artigo da revista Discover Magazine, publicado em dezembro de 2003 denunciou os altos níveis de fluoxetina, o
princípio ativo do antidepressivo Prozac, em bagres e outros peixes de rios afetados por afluentes municipais próximos a
cidade de Dallas, Texas (Estados Unidos).

No início desse ano, saiu um artigo no jornal americano Los Angeles Times mencionando pesquisas nos Estados Unidos
e Canadá sobre o alto nível de concentração de hormônios femininos (estrógeno), oriundos de anticoncepcionais, em
tecidos de peixes. Mais de 90% dos machos de uma espécie de lingüado começaram a ovular (coisa de fêmea, certo?!).
A “feminilização” dos machos é grave do ponto de vista ambiental e sócio-econômico, pois a população pára de se reproduzir
com quantidades mínimas do princípio ativo. O artigo menciona a impossibilidade de tratamentos de esgoto em nível
primário eliminar a maior parte desses compostos.

Quase todo mundo toma ou já tomou alguma dessas categorias de remédios. Como o tratamento de esgoto em nível
primário é o principal (pra não dizer o único) nível de tratamento de efluentes municipais no Brasil, me pergunto como
será que está o grau de contaminação da costa brasileira com POPs? Pense bem, cerca de 60% de nossa população,
algo em torno de 100 milhões de pessoas, vive na zona costeira com enorme potencial de contaminação crônica pelo consumo e eliminação diária de resíduos desses produtos através da urina.



Cosméticos e higiene pessoal


Você já ouviu falar em Tetradibutyl Pentaerythrityl Hydroxyhydrocinnammate? É um composto orgânico usado no
sabonete que você usa todos os dias. De acordo com a base de dados do Grupo de Trabalho Ambiental americano
SkinDeep, é uma substância de baixo risco para a saúde humana. No entanto, de acordo com a mesma base de dados
essa aparente baixa periculosidade esta mais associada à falta de pesquisa sobre o produto.

E o Dióxido de Titânio? Esse pode causar câncer, provocar alergias e deficiência imunológica, além de prejudicar o
metabolismo digestivo, respiratório e cardiovascular. Diariamente, milhões de pessoas consomem toneladas de pasta de
dente, sabonetes e xampus cuja composição, normalmente escrita com letrinhas pequenas
e em inglês, sempre tem um
produto com propriedades cancerígenas e persistência ambiental, com capacidade de acumular na teia alimentar. São
substâncias com ação cancerígena.

A tabela abaixo revela o efeito tóxico de ingredientes mais comuns encontrados em marcas famosas de sabonetes,
xampus e pastas de dentes
:


Composto Efeitos



Usado na fabricação de...


Sodium Palmitate
Cancerigeno
Sabonetes, desodorantes, creme de barbear

Sodium Oleate
97% ausência de teste

Sabonetes, cremes para tratamento de espinhas e adstringente facial

Sodium Laurate
Cancerígeno, irritação da pele, olhos e pulmão
Sabonetes, desodorantes, cremes para tratamento de pele, rejuvenescedor

Titanium Dioxide
Cancerígeno, alergias, irritação da pele, olhos e pulmão
Sabonetes, protetor solar, protetor labial

Citric Acid
Neurotóxico, doenças crônicas degenerativas do sistema nervoso
Sabonetes, shampoos, tintura de cabelo, etc

Bentonite
Cancerigeno, tóxico, causa danos no sistema digestivo, respiratório e cardiovascular
Sabonetes, creme rejuvenecedor, protetor sola, etc

Pentasodium Pentetate
Não testado
Sabonetes, shampoos, esfoliantes, creme de barbear, etc

Etidronic Acid
Infertilidade, cancer em órgãos reprodutores, má formação de fetos
sabonetes

Yellow 10
Cancerigeno, reações alérgicas e problems no sistema imunológico
Sabonetes, colonias, loções pós-barba, tinturas de cabelo, desodorantes

Red 4 (CI 14700)
Cancerígeno
Sabonetes, água de colônia feminina, shampoos e condicionadores



Green5 (CI 61570
Disfunções hormonais, danos no sistema digestivo, respiratório e cardiovascular




O crescimento populacional demanda muitas coisas além de energia, comida e habitação. Somos seduzidos por uma
infinidade de produtos cosméticos dispostos nas prateleiras dos supermercados. Nos lavamos, nos perfumamos e nos
lambuzamos diariamente com sabonetes e xampus (que nada mais são do que sabão perfumado), pasta de dentes e
cremes hidratantes com abrasivos microscópicos, alvejantes químicos e essências cuja origem natural do produto é
duvidosa, para não dizer caluniosa.

Eu não confiaria em nada que diga “manter fora do alcance das crianças”. Os produtos de limpeza alertam pra isso. Mas os
cosméticos e produtos de higiene pessoal também. Nas embalagens sempre está escrito que o produto vem de
essências naturais, que vai deixar sua pele macia e hidratada etc. Mas no fim está sempre escrito em letras bem
miudinhas que é pra “manter fora do alcance das crianças”. Ora, que hipocrisia é essa?! Se é essa maravilha toda,
porque manter fora do alcance das crianças? Se é perigoso para as crianças é perigoso para qualquer um, certo? Sem
falar do potencial de contaminação ambiental. Ou seja, compre e leve pra sua casa. Daí em diante, o problema é seu.
Todos somos responsáveis por aceitar essas regras, do mundo civilizado e contaminado.

Sim, individualmente somos responsáveis por todo essa contaminação com princípios ativos testados apenas
parcialmente em ratinhos de laboratório, sem saber seus reais efeitos na natureza ao nosso redor. Coletivamente, o
resultado é preocupante. Tudo está se contaminando à nossa volta e o ponto final desses resíduos orgânicos artificiais é
o mar.

Diariamente, chega na ZC o maior elenco de substâncias derivadas da presença humana no planeta. Todo resquício de
substâncias dissolvidas na água doce, que a força da gravidade pode levar em direção à costa. Uma solução paliativa e
perigosa quando se pensa em escalas ambientais de tempo e espaço (veja o artigo Diluição não é solução). A drenagem
envolve milhões de metros cúbicos de água que passam pelas cidades anualmente. Esse volume, assim como o dos
oceanos, nos dão a falsa sensação de nos livrarmos do problema. Isso até poderia ser verdade, não fosse pelas
propriedades persistentes e reativas desses compostos, aumentando as chances de serem adsorvidos em partículas
orgânicas e em micro-organismos da base da pirâmide alimentar. Pouco a pouco vão subindo de nível, estacionando em
animais no topo da pirâmide alimentar, dissolvendo-se em suas gorduras, alterando seus hormônios, seu metabolismo e
sua capacidade reprodutiva. Sem falar nas inúmeras possibilidades de doenças imunológicas, câncer e má formação
congênita de seus descendentes.

A tabela acima é apenas um amostra irrisória de todos os POPs usados em cosmética e higiene pessoal. Sem querer
preocupá-lo (a), eu sugiro que após ler esse artigo você perca um pouco do seu tempo e acesse o banco de dados do
SkinDeep. Vá até o banheiro e selecione qualquer produto de higiene pessoal. Faça uma lista com o nome dos
compostos químicos descritos na “composição” do seu sabonete, xampu ou pasta de dente preferidos. Veja a capacidade
que cada um tem de produzir algum mal à saúde e seu potencial de acúmulo no meio ambiente.

São todos produtos que eu, você e todos nós usamos indiscriminadamente todos os dias desde a Revolução Química
Industrial, após a Segunda Guerra. São décadas de uso constante. Talvez os POPs não sejam as causas diretas de
muitos problemas de saúde que nós e os animais marinhos sofrem, ou que ainda sofrerão. Mas com certeza são mais
uma herança que deixaremos para o banco de contaminantes da biodiversidade marinha. Corremos o risco de nos tornar uma sociedade intoxicada por nosso próprio veneno em frascos fálicos e potes cheirosos, marcando diariamente nossos territórios com urina contaminada.




Fonte: O Eco
25.11.2008



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